28/04/2025

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP) E A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO EM CASOS DE HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO

Após a introdução do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) pelo Pacote Anticrime, diversas discussões surgiram em torno da aplicação do instituto. Entre tantas questões que ainda geram controvérsia, uma delas merece atenção especial: a possibilidade de sua utilização em casos de homicídio culposo no trânsito.


Como se sabe, o ANPP possui requisitos objetivos, dispostos no art. 28-A do Código de Processo Penal. De acordo com isso, são condições para sua aplicação: (a) ausência de hipótese de arquivamento da investigação; (b) confissão formal e circunstanciada do fato pelo investigado; (c) infração penal não praticada com violência ou grave ameaça; (d) pena mínima inferior a quatro anos; além dos requisitos previstos no §2º, como (e) ausência de reincidência e (f) não ter sido beneficiado anteriormente com ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo nos últimos cinco anos.


Dentre esses requisitos, abordaremos especificamente aquele que trata da ausência de violência ou grave ameaça, voltado para o debate acerca do homicídio culposo no trânsito.


A questão ainda é objeto de intensos debates. No entanto, defendemos a viabilidade da aplicação do ANPP nesses casos, pois compreendemos que o requisito relacionado à violência ou grave ameaça diz respeito a crimes dolosos, e não culposos. Apesar da gravidade do resultado, o homicídio culposo no trânsito não envolve dolo — ou seja, não há vontade nem assunção consciente do risco de produzir o resultado morte. A violência, quando presente no resultado, decorre de uma inobservância de dever objetivo de cuidado, característica essencial da culpa, e não do dolo. Esta distinção foi consagrada legislativamente justamente para modular a reprovação penal de maneira mais justa e proporcional.


Assim, um raciocínio que equipare a violência dolosa àquela resultante de um crime culposo desconsidera a própria estrutura conceitual dos tipos penais definidos no art. 18 do Código Penal, comprometendo a lógica fundamental que separa dolo e culpa.

Ora, se as clássicas teorias da vontade e do consentimento sustentam a distinção entre dolo e culpa — ainda que não imunes a críticas —, seria incoerente desconsiderá-las para atender a um interesse pontual da acusação.


Recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul consolidou esse entendimento ao reconhecer não apenas a possibilidade do oferecimento do ANPP em casos de homicídio culposo, como também afirmar que, configurados os requisitos legais, o Ministério Público tem o poder-dever de propor o acordo, cabendo ao investigado decidir pela sua aceitação ou recusa. Em decisão proferida em sede de apelação (nº 5020555-97.2019.8.21.0010/RS), determinou-se a remessa dos autos ao Ministério Público para que fosse formalmente oferecido o Acordo de Não Persecução Penal ao apelante.


Em conclusão, diante da natureza culposa do homicídio no trânsito e da ausência de dolo na conduta do agente, entendemos que o Acordo de Não Persecução Penal se revela aplicável nesses casos, em respeito à lógica do sistema penal e à finalidade do instituto. Mais do que uma opção estratégica, o oferecimento do ANPP, quando preenchidos os requisitos legais, constitui medida que reafirma o compromisso com a racionalidade e a proporcionalidade no exercício da persecução penal. Assim, a correta interpretação dos dispositivos legais não apenas assegura direitos fundamentais, como também fortalece a credibilidade do sistema de justiça.


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